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A mostrar mensagens de julho, 2025

Crescimento económico sem melhoria das condições de vida dos cabo-verdianos

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  s   Não obstante as reservas que se impõem quanto à fiabilidade dos dados macroeconómicos e sociais oficiais – por vezes “martelados” e “atamancados” –, o certo é que Cabo Verde evidenciou, nos últimos dois anos (2023 e 2024), taxas de crescimento económico relativamente robustas, em torno de 6,33% ao ano, em contraste com a média de 3,33% registada entre 2016 e 2024. Se estes valores se confirmarem – na medida em que se tratam de dados provisórios –, tal crescimento revela nuances importantes quando analisamos a sua repercussão no tecido social: a criação de emprego (sobretudo entre os jovens), a redução da pobreza e a evolução do coeficiente de Gini, que mede a desigualdade na distribuição dos rendimentos. Essa discrepância entre números e experiências quotidianas convida-nos a questionar até que ponto o crescimento quantitativo alimenta verdadeiramente o bem-estar coletivo.   A história da medição do crescimento económico remonta aos anos 30 do século XX, quando o ec...

Espuma dos dias – Governar para a propaganda

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  " A essência da propaganda não está em fazer as pessoas acreditarem numa mentira, mas em convencê-las de que nenhuma verdadeexiste",  Hannah Arendt. A política e a propaganda têm uma relação intrínseca que remonta a séculos. Desde os tempos antigos, líderes e governantes têm utilizado a propaganda como uma ferramenta para moldar a perceção pública, influenciar opiniões e consolidar o poder. No mundo contemporâneo, a propaganda política tornou-se ainda mais sofisticada, com o advento das tecnologias de comunicação e das redes sociais No caso específico de Cabo Verde, a propaganda política assenta, no essencial, em três pilares: (i) simplificação da realidade, reduzindo questões complexas a slogans ou mensagens binárias (ex.: "nós contra eles", "certo versus errado"); (ii) repetição, com a reiteração constante de uma ideia, mesmo que falsa, para a normalizar (princípio conhecido como "efeito de verdade ilusória"); e (iii) apelo emocional, u...

Porque falha Cabo Verde: uma democracia sofrível e muito pouco meritocrática

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    No meu artigo anterior, intitulado “Uma resenha das causas do falhanço das nações”, publicado na edição de 15 de junho, concordei com a tese dos conceituados economistas Daron Acemoglu e James A. Robinson, segundo a qual o sucesso de um país surge quando as suas instituições são inclusivas e pluralistas, ou seja, incluem a maioria da população na comunidade política e económica, onde todos tenham as mesmas oportunidades, criando incentivos para quem investe em si e no seu futuro. As condições mínimas para essas chamadas “boas instituições” são uma adequada constituição escrita, eleições democráticas, poder político centralizado e competente que acomode todos os interesses, tratamento igual de todos face à lei, reconhecimento e valorização do mérito, direito à propriedade, respeito pelos contratos, facilidade para abrir uma empresa, mercados competitivos e liberdade para que os cidadãos se expressem livremente e desempenhem as profissões pretendidas. Assim, coloca-se a ...

Má qualidade de ensino cabo-verdiano enquanto fator inibidor de crescimento

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  Em 1961, o economista norte-americano Theodore W. Schultz – laureado com o Prémio Nobel de Economia em 1979 – introduziu a noção de que o investimento em educação é determinante para o crescimento económico a longo prazo, considerando que níveis mais elevados de escolaridade potencializam tanto as competências como a produtividade do trabalho enquanto fator de produção. A educação é considerada a principal responsável pelo acréscimo das competências individuais, traduzindo-se em maior rendimento pessoal e, consequentemente, em melhor desempenho económico nacional. Por esse motivo, muitas nações adotam políticas que elevem os níveis de escolaridade da sua população. Contudo, experiências de vários países – corroboradas por estudos empíricos – indicam que não basta aumentar o acesso ao ensino e os anos de escolaridade; é fundamental garantir a sua qualidade, uma vez que indicadores convencionais (níveis de literacia, anos de estudo, etc.) podem ocultar o nível real de formação de c...

É a perda de poder de compra, estúpido!

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  É a economia, estúpido!” (“It’s the economy, stupid!”, na versão original em inglês) foi uma frase inventada, em 1992, por James Carville, durante a campanha presidencial, nos EUA, de Bill Clinton contra o presidente George H. Bush. Este último, em março de 1991 tinha uma taxa de aprovação de cerca de 90%. Em agosto de 1992, 64% dos estadunidenses já tinham uma opinião negativa acerca da sua performance. A braços com uma recessão e com o desemprego a aumentar, Bush viu o rumo das eleições inverter-se a favor do seu adversário político. E a história dessa inesperada inversão na tendência de votos dos eleitores estadunidenses pode ser resumida da seguinte forma. Em 1992, quando Bush era o presidente dos EUA, o país enfrentava uma recessão económica e os estadunidenses entraram na chamada “Guerra do Golfo”. Sendo um ano de eleições presidenciais, o presidente incumbente foi desafiado na disputa pela presidência por Clinton, que atacava Bush por ter metido os EUA na guerra, pensando ...

O fenómeno da corrupção em Cabo Verde

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A representação da Transparência Internacional em Portugal (TIP) define a corrupção como o “abuso do poder confiado para obtenção de benefícios privados”, manifestando-se de várias formas, entre elas: (i) desvio de fundos públicos para fins pessoais ou de grupos específicos, (ii) conflitos de interesse, (iii) favorecimento em concursos públicos, (iv) nepotismo, (v) fraude fiscal e (vi) favor em troca de um benefício não merecido. Para o caso específico de Cabo Verde tem-se, ainda, a alegada prática de compra de consciências nos períodos eleitorais. A corrupção é cada vez mais considerada uma ameaça à estabilidade e segurança das sociedades, na medida em que mina as instituições e os valores da democracia, os valores éticos e a justiça, além de comprometer o desenvolvimento sustentável e o Estado de direito. Normalmente distinguem-se dois tipos de corrupção, a pequena corrupção e a grande corrupção. A pequena corrupção ocorre, designadamente, quando o servidor público se prevalece da su...

“Princípio de Peter” e triunfo da incompetência em Cabo Verde

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Já em tempos escrevi estar convencido de que uma das razões que ajudam a explicar o atraso no desenvolvimento de Cabo Verde é a prevalência de uma cultura que privilegia os laços de proximidade política, familiar e pessoal em detrimento do mérito, particularmente na Administração Pública (AP), esta entendida no seu sentido lato: administração direta e administração indireta do Governo central e das autarquias municipais. Na verdade, a falta de escrutínio do mérito profissional tem sido um entrave presente e permanente ao progresso e crescimento no país. A partidarização e o nepotismo na AP cabo-verdiana não são fenómenos recentes, mas sim um problema estrutural e persistente, que tem origem na história política e social do país. Ou seja, é um problema que tem origens sociológicas profundas: o país é muito pequeno, praticamente desprovido de recursos naturais e com pessoas muito dependentes do Estado, além de baseadas na família e nos afins, e muito desconfiadas das outras à sua volta. ...

Governo mete a cabeça na areia perante a emigração em massa de jovens

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Um estudo da Afrosondagem (AS) sobre a migração, divulgado no dia 20 de dezembro pp, revelou que a maioria dos cabo-verdianos, ou seja, 64 % pensa em emigrar. Conforme avançado pela Inforpress, José Semedo, diretor-geral da AS, explicou que esta percentagem é superior à de 2017 (período anterior à pandemia de Covid-19), em que cerca de 57% dos cabo-verdianos manifestaram o desejo de emigrar. Revelou ainda que diminuiu a proporção daqueles que disseram que nunca iriam emigrar, passando de 46% para 30%. Destacou-se que o desejo de emigrar é particularmente elevado entre os jovens. Cerca de 76% dos jovens com idades compreendidas entre os 18 e os 35 anos ponderam emigrar. Esse interesse também abrange outras faixas etárias e níveis de educação: 76% das pessoas com nível secundário e 65% das pessoas com nível superior indicaram que, de alguma forma, pensam em emigrar. O estudo também revelou que 62% das pessoas empregadas a tempo inteiro e 75% a tempo parcial indicaram que emigrar...

Inflação em 2024, 1% em Cabo Verde e 2,4% na Zona Euro: Quem explica o absurdo?

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  Tenho escrito vários artigos, tentando demonstrar, com argumentos técnicos, que as estatísticas oficiais produzidas pelo INE, no que diz respeito ao índice de preços no consumidor (IPC) para cálculo da inflação, partem de pressupostos bastante desatualizados. Isso põe em causa toda a política de rendimentos e preços seguida nos últimos anos, além de comprometer a credibilidade das taxas de crescimento do PIB real, entre outras consequências. Aliás, o próprio FMI recomendou ao INE uma atualização dos valores que servem de base ao IPC, de acordo com um relatório publicado por aquele organismo, no dia 21 de novembro de 2023, sobre uma assistência técnica prestada ao INE e dedicada a melhorar e atualizar o IPC. “As ponderações atuais do IPC baseiam-se em dados de despesas recolhidos durante o inquérito aos agregados familiares em 2015 [Inquérito às Despesas e Receitas das Famílias realizado em 2015 (IDRF2015)]”, lê-se no relatório, referindo que estes dados estão ultrapassados e “é u...