50 anos da Independência de Cabo Verde: Necessidade de uma abordagem integrada e duradoura dos Transportes

Os transportes, especialmente entre ilhas, e a logística de distribuição interna são um obstáculo significativo ao desenvolvimento de Cabo Verde, afetando a economia, o turismo e o comércio.

Com efeito, o nosso país, insular por natureza, enfrenta desafios estruturais que impedem a integração plena das diversas ilhas. A falta de infraestruturas adequadas, os custos elevados e a escassez de opções de transporte eficiente dificultam a integração dos mercados, limitam o acesso a serviços essenciais e comprometem a produtividade. Por outro lado, sem um sistema de transporte que funcione com regularidade, a coesão social e a mobilidade dos cidadãos ficam seriamente comprometidas.

Num contexto em que o país celebra meio século de independência, convém refletir sobre os desafios que se impõem para assegurar que cada ilha se comunique de forma eficaz com as restantes, garantindo que os serviços de saúde, educação e comércio não fiquem isolados pela distância. A peculiaridade geográfica do arquipélago impõe soluções à medida, que respeitem a realidade territorial e que priorizem tanto os transportes aéreos como os marítimos. Neste cenário, torna-se urgente ultrapassar o empirismo das políticas improvisadas e abraçar uma abordagem integrada e duradoura.

O verdadeiro desafio é traçar, de forma participada, um caminho que permita a superação dos obstáculos existentes. Há demasiado tempo assistimos a promessas recitadas em conferências de imprensa, a anúncios inspirados mas desconectados da realidade técnica e financeira. Hoje, o clamor da sociedade exige não apenas respostas, mas soluções concretas e factíveis que garantam a continuidade dos serviços de transporte por, pelo menos, os próximos 10, 15 ou 20 anos.

A implementação de um plano permanente passa, inevitavelmente, pelo esforço conjunto do governo, das autarquias, da oposição, dos especialistas em transportes, dos concessionários e, sobretudo, dos cidadãos, que, enquanto utilizadores diários destes serviços, têm o direito inalienável de ver o seu contributo valorizado e integrado numa política pública de Estado.

Um plano nacional robusto deve ainda prever parcerias estratégicas com entidades internacionais, sem nunca perder o controlo da decisão e do planeamento a nível interno. A experiência acumulada noutras nações pode ser uma fonte valiosa de ensinamentos; contudo, é fundamental que cada solução seja adaptada à realidade específica do arquipélago. A implementação de parcerias público-privadas, por exemplo, deve ser norteada por critérios rigorosos de transparência e responsabilidade, assegurando que os interesses da nação tenham sempre prioridade sobre os interesses comerciais. Assim, a integração de conhecimentos externos contribuirá para a eficiência do sistema, sem imposições que possam comprometer a soberania e a identidade cabo-verdiana.

Por outro lado, não podemos ignorar a dimensão social dos transportes. A mobilidade interna é um direito fundamental que facilita o acesso a oportunidades e fortalece os laços comunitários. É através de uma rede de transportes fiável que se promove o turismo interno, que se dinamiza o comércio e que se garante a equidade no acesso aos serviços essenciais. Quando se trata de saúde, por exemplo, a rapidez e a segurança de uma evacuação podem significar a diferença entre a vida e a morte. Quando o transporte se converte num elemento de inclusão, cada deslocação torna-se uma afirmação de cidadania e de respeito pela dignidade humana.

O contexto insular de Cabo Verde exige uma abordagem diferenciada, que leve em conta as especificidades de cada ilha e a distância que as separa. Sem infraestrutura ferroviária ou rodoviária que ligue os diversos pontos do arquipélago, os meios de transporte marítimo e aéreo assumem um papel preponderante. Assim, a criação de linhas regulares de travessias marítimas e de voos, dotadas de horários fiáveis e de preços acessíveis, passa a ser uma prioridade máxima. Estas medidas não só facilitarão a mobilidade dos habitantes, como também potenciarão o turismo interno, que muitas vezes é relegado a um plano secundário, enquanto o turismo internacional concentra a maior parte dos investimentos.

Importa também refletir sobre os benefícios que um sistema de transportes bem estruturado pode trazer para a integração regional e para o fortalecimento da identidade nacional. Cabo Verde é, antes de mais, um povo unido pela história e pela cultura, e a circulação eficiente entre as ilhas é um elemento essencial para a manutenção e o reforço desse sentimento de pertença. Por outro lado, a sustentabilidade do meio ambiente deve ser uma preocupação central, pelo que os projetos de transporte deverão contemplar soluções que minimizem o impacto ambiental, promovam fontes de energia renováveis e incentivem a utilização de tecnologias modernas e eficientes.

A participação cidadã é um dos pilares sobre os quais deverá assentar o novo plano. Não basta que os especialistas desenhem as linhas gerais; é igualmente fundamental que os utilizadores, enquanto principais beneficiários, estejam envolvidos no processo de decisão. A transparência e o escrutínio público não devem ser meros adornos retóricos, mas sim instrumentos concretos que permitam o controlo e a avaliação contínua das políticas implementadas. Apenas através de uma gestão participativa é que se conseguirá construir um sistema de transportes que responda verdadeiramente às necessidades reais do povo, sem ser refém de interesses particulares ou de manobras políticas que visem o curto prazo.

A recolha de dados e a realização de estudos aprofundados constituem também elementos indispensáveis para a criação de um plano robusto e realista. Cada decisão deve ser suportada por análises rigorosas, que identifiquem as áreas críticas e as oportunidades de melhoria. Este exercício técnico é o único caminho para evitar a reincidência de erros do passado e para assegurar que os investimentos públicos sejam canalizados para iniciativas que produzam resultados concretos e duradouros. A fiabilidade dos dados, combinada com a experiência dos profissionais do setor, permitirá delinear estratégias que não só corrijam as deficiências existentes, como que impulsionem o país para uma nova era de conectividade e integração.

A urgência deste plano é incontornável. A cada dia que passa sem uma resposta estruturada ao problema dos transportes, o custo social e económico vai aumentando, afetando diretamente a qualidade de vida dos cidadãos. Não se pode esperar que a pressão dos acontecimentos e as crises momentâneas se transformem em justificativa para a permanência de um sistema que, desde há muito tempo, se encontra em estado de fragilidade.

Por fim, é importante lembrar que o desafio que se coloca não se restringe à mera implementação de infraestruturas ou à definição de horários e rotas. Estamos perante uma oportunidade histórica de reimaginar o transporte como um elemento integrador e transformador da sociedade. Cada investimento, cada medida tomada, deverá estar orientada para a construção de um futuro mais próspero, onde os cidadãos possam, sem restrições, aceder aos serviços essenciais, usufruir do seu direito à mobilidade e contribuir para o desenvolvimento sustentado do país. Assim, restará provado que o compromisso com a eficiência, a transparência e a participação cidadã não só é possível, como imprescindível para que Cabo Verde continue a trilhar o caminho da modernidade e da justiça social.

A resposta a este desafio passa, inevitavelmente, pela superação de velhos paradigmas e pela construção de um novo contrato social, onde as decisões se tomem pelo bem comum e não por interesses particulares. A experiência acumulada ao longo dos anos mostra que a ausência de um plano estruturado acarreta, além de ineficiências logísticas, um sério desgaste na coesão social e na confiança dos cidadãos nas instituições. Assim, ao promover uma discussão aberta e inclusiva, onde cada ator – desde os decisores políticos até os utilizadores dos transportes – possa expressar as suas necessidades e contributos, cria-se a base para uma reforma profunda e duradoura.

Em conclusão, o desafio dos transportes em Cabo Verde transcende a mera discussão técnica ou logística: é uma questão profunda que toca ao coração do desenvolvimento e da identidade do país. A implementação de um plano nacional robusto e duradouro é a única via capaz de assegurar que cada cidadão, independentemente de onde se encontre, tenha acesso rápido e seguro aos serviços essenciais, às oportunidades educativas e às possibilidades económicas que lhes permitam prosperar. Se não houver uma intervenção coordenada e esclarecida, a tendência é que o país continue a ver os mesmos problemas repetirem-se, de geração em geração, sem que se consiga romper o ciclo da ineficiência e da fragmentação.

Praia, 01 de maio de 2025

Comentários

Mensagens populares deste blogue

PIB per capita cabo verdiano entre o mito e a realidade

Donald Trump e a “Teoria do Louco”

Burocracia insana e “cultura de quintal” na Administração Pública cabo-verdiana