A simbiose necessária: Reforçar a interação turismo‐economia local

O impacto do turismo em Cabo Verde
estende-se para além do setor hoteleiro, alcançando, com maior ou menor
intensidade, áreas como a restauração, o transporte, o entretenimento e
diversas cadeias de suprimentos, desde a agricultura até ao artesanato.
Em 2019, o turismo representava 21,3% do Produto Interno Bruto (PIB) e, com os desenvolvimentos recentes, estima-se que a sua participação já tenha atingido os 25%. Esta importância estatística sublinha o papel estratégico do turismo, não só na geração de receitas que contribuem para o equilíbrio da balança de pagamentos e para o financiamento de programas sociais e investimentos públicos, mas também na criação de emprego e na dinamização de atividades económicas complementares.

Hoje, prevalecem, no país, o modelo de “resorts” de grande escala do tipo “all-inclusive”, concentrados nas Ilhas do Sal e da Boa Vista.
O “all-inclusive” em Cabo Verde deve ser interpretado como uma solução empresarial para responder às demandas de serviços turísticos, uma vez que não existe, nas principais ilhas turísticas do país, a capacidade de oferta desses serviços em quantidade e qualidade.
Além da reconhecida importância na criação do destino, através de ligações aéreas que proporcionam aos principais mercados emissores de turistas, um estudo do Banco Mundial, que analisa a ligação do turismo com a pobreza em Cabo Verde, conclui que cada quarto de grandes hotéis “all-inclusive” instalados nas ilhas de Boa Vista e Sal tem gerado mais benefício para o país do que quartos dos outros hotéis de pequena escala instalados noutras ilhas[2]. Esta conclusão é baseada na taxa de ocupação, número de empregos, imposto gerado e consumo de alguns serviços/produtos locais (transporte, hortícolas, iogurtes, refrigerantes, etc.) verificados nesses hotéis.
Esse mesmo estudo conclui, também, que o modelo de turismo baseado em hotéis “all-inclusive” e predominantemente orientado para o sol e mar, revela limitações na sua interação com a economia local, para além de apresentar vulnerabilidades económicas e limitar o crescimento sustentável a longo prazo. Na verdade, grande parte dos bens e serviços consumidos pelos turistas – desde alimentos e bebidas a produtos artesanais – são importados, o que resulta numa fuga de capitais e num aproveitamento aquém do potencial dos recursos nacionais. Esta dependência excessiva das importações expõe a economia a flutuações do mercado turístico internacional e limita os efeitos multiplicadores que poderiam ser alcançados através de uma integração mais profunda entre o setor turístico e a produção local.
Nesse contexto, torna-se crucial implementar estratégias concertadas que fomentem uma maior integração entre o turismo e a economia local, maximizando os benefícios para as comunidades e promovendo um desenvolvimento mais inclusivo e equilibrado. Esta interação não se resume apenas ao consumo de produtos locais pelos turistas, mas abrange um leque mais amplo de sinergias que podem impulsionar diversos setores da economia cabo-verdiana.
O estímulo à produção local constitui um dos pilares desta estratégia. É fundamental criar condições favoráveis para que agricultores, pescadores, artesãos e outros produtores possam oferecer bens e serviços de elevada qualidade ao setor turístico. Investir na modernização das técnicas de produção, no apoio à comercialização e na garantia de elevados padrões de qualidade e segurança alimentar pode impulsionar uma agricultura sustentável, uma pesca artesanal responsável e o renascimento do artesanato tradicional, contribuindo para o fortalecimento da identidade cultural do país.
A criação e o reforço de cadeias de
valor locais dependem, também, do estabelecimento de parcerias estratégicas
entre operadores turísticos e pequenos empresários. A cooperação entre hotéis,
agências de viagens e produtores locais pode dar origem a plataformas de
comercialização que facilitem o acesso dos produtos cabo‐verdianos ao mercado
turístico, promovendo o comércio justo e assegurando benefícios mútuos. Esta
colaboração entre o setor público e o privado é determinante para transformar o
turismo num verdadeiro motor de desenvolvimento inclusivo e sustentável, onde
os ganhos económicos se revertem em melhorias concretas na qualidade de vida
das populações locais.
A valorização do património cultural e
natural é igualmente crucial para reforçar a interação entre o turismo e a
economia local. O desenvolvimento de um turismo cultural e de natureza, que
envolva as comunidades na gestão e fruição dos recursos, pode gerar rendimentos
diretos e incentivar a preservação do legado histórico e ambiental do país. A
criação de rotas turísticas que destaquem a história, as tradições, a
biodiversidade e as paisagens naturais de Cabo Verde permite aos visitantes uma
imersão autêntica na cultura local, contribuindo para uma experiência
enriquecedora e diversificada que beneficia, simultaneamente, o turista e a comunidade.
A capacitação e formação dos recursos
humanos locais revelam-se como elementos-chave para o sucesso de uma interação
eficaz entre o turismo e a economia. Investir na formação profissional em áreas
diretamente relacionadas com o turismo, bem como em competências transversais –
como o empreendedorismo, a gestão de pequenos negócios, o marketing e a
comunicação – é essencial para dotar os cabo‐verdianos das ferramentas
necessárias para aproveitar as oportunidades geradas pelo crescimento do setor.
Este investimento em capital humano contribui para a criação de novos negócios
e para a elevação da qualidade dos serviços prestados, potenciando um
desenvolvimento económico sustentável e inclusivo.
A promoção do consumo de produtos e
serviços locais pelos turistas deve ser incentivada através de campanhas de
sensibilização, da disponibilização de informação nos pontos de interesse e da
organização de eventos culturais e gastronómicos que evidenciem a origem e a
qualidade dos produtos cabo‐verdianos. Estimular a frequência de restaurantes
que ofereçam culinária local, a compra directa de artesanato e a participação
em festivais e feiras regionais pode ter um impacto económico significativo,
promovendo uma redistribuição mais equitativa dos rendimentos gerados pelo
turismo.
A participação ativa das comunidades
no planeamento e gestão do desenvolvimento turístico é imprescindível para
garantir que os benefícios deste crescimento se distribuam de forma justa.
Mecanismos de consulta e de participação, o apoio à criação de associações e
cooperativas e a implementação de políticas que assegurem que as populações
locais se beneficiem diretamente dos rendimentos turísticos são medidas
fundamentais para um desenvolvimento equilibrado e sustentável.
Em síntese, a necessidade de reforçar
a interação entre o turismo e a economia local em Cabo Verde revela-se num
imperativo que abrange dimensões económicas, sociais, culturais e ambientais.
Ao diversificar as fontes de rendimento, reduzir a dependência das importações
e valorizar o património nacional, é possível criar oportunidades de emprego,
dinamizar a produção e fortalecer a identidade cultural, promovendo assim um
desenvolvimento sustentável e resiliente. A implementação de estratégias
integradas, que envolvam o setor público, o privado e as comunidades locais,
permitirá transformar o turismo num motor de progresso e inovação, capaz de
garantir a prosperidade e a estabilidade do arquipélago para as futuras
gerações.
Todavia, a concretização de um modelo
turístico que interaja plenamente com a economia local passa, em primeiro lugar,
pela superação dos desafios associados à mobilidade de passageiros e cargas
interilhas e intrailhas. A modernização das infraestruturas, nomeadamente a
melhoria significativa das ligações aéreas e marítimas, a requalificação das
redes rodoviárias e o desenvolvimento de transportes locais eficientes constituem
um fator determinante para potenciar a mobilidade de turistas e de produtos,
facilitando o acesso aos diversos pontos de interesse do arquipélago e aos produtos
nacionais.
Praia, 28 de março de 2025
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