A simbiose necessária: Reforçar a interação turismo‐economia local

Cabo Verde, arquipélago de beleza única e cultura vibrante, tem no turismo o principal pilar da sua economia. O conjunto de paisagens vulcânicas e praias de areia branca, aliado à hospitalidade calorosa do seu povo e à riqueza das tradições – música, gastronomia e artesanato – tem vindo a atrair um número crescente de visitantes, sobretudo provenientes de países europeus. Este aumento contínuo, que se traduz na marca histórica de um milhão de turistas em 2023, ultrapassou o recorde de 819 mil visitantes registado em 2019 (ano pré-pandémico)[1], demonstrando uma recuperação robusta e a capacidade do setor em se adaptar e prosperar, mesmo em cenários adversos.

 

O impacto do turismo em Cabo Verde estende-se para além do setor hoteleiro, alcançando, com maior ou menor intensidade, áreas como a restauração, o transporte, o entretenimento e diversas cadeias de suprimentos, desde a agricultura até ao artesanato.

 

Em 2019, o turismo representava 21,3% do Produto Interno Bruto (PIB) e, com os desenvolvimentos recentes, estima-se que a sua participação já tenha atingido os 25%. Esta importância estatística sublinha o papel estratégico do turismo, não só na geração de receitas que contribuem para o equilíbrio da balança de pagamentos e para o financiamento de programas sociais e investimentos públicos, mas também na criação de emprego e na dinamização de atividades económicas complementares.


O turismo tem, portanto, uma importância verdadeiramente estratégica para a economia cabo-verdiana em virtude da sua capacidade em criar riqueza e emprego. Por outro lado, o turismo tem o potencial de gerar externalidades positivas que beneficiam toda a economia, além de tratar-se de um setor em que Cabo Verde tem vantagens comparativas claras como sucede com poucos outros.

Hoje, prevalecem, no país, o modelo de “resorts” de grande escala do tipo “all-inclusive”, concentrados nas Ilhas do Sal e da Boa Vista.

O “all-inclusive” em Cabo Verde deve ser interpretado como uma solução empresarial para responder às demandas de serviços turísticos, uma vez que não existe, nas principais ilhas turísticas do país, a capacidade de oferta desses serviços em quantidade e qualidade.

Além da reconhecida importância na criação do destino, através de ligações aéreas que proporcionam aos principais mercados emissores de turistas, um estudo do Banco Mundial, que analisa a ligação do turismo com a pobreza em Cabo Verde, conclui que cada quarto de grandes hotéis “all-inclusive” instalados nas ilhas de Boa Vista e Sal tem gerado mais benefício para o país do que quartos dos outros hotéis de pequena escala instalados noutras ilhas[2]. Esta conclusão é baseada na taxa de ocupação, número de empregos, imposto gerado e consumo de alguns serviços/produtos locais (transporte, hortícolas, iogurtes, refrigerantes, etc.) verificados nesses hotéis.

Esse mesmo estudo conclui, também, que o modelo de turismo baseado em hotéis “all-inclusive” e predominantemente orientado para o sol e mar, revela limitações na sua interação com a economia local, para além de apresentar vulnerabilidades económicas e limitar o crescimento sustentável a longo prazo. Na verdade, grande parte dos bens e serviços consumidos pelos turistas – desde alimentos e bebidas a produtos artesanais – são importados, o que resulta numa fuga de capitais e num aproveitamento aquém do potencial dos recursos nacionais. Esta dependência excessiva das importações expõe a economia a flutuações do mercado turístico internacional e limita os efeitos multiplicadores que poderiam ser alcançados através de uma integração mais profunda entre o setor turístico e a produção local.


Nesse contexto, torna-se crucial implementar estratégias concertadas que fomentem uma maior integração entre o turismo e a economia local, maximizando os benefícios para as comunidades e promovendo um desenvolvimento mais inclusivo e equilibrado. Esta interação não se resume apenas ao consumo de produtos locais pelos turistas, mas abrange um leque mais amplo de sinergias que podem impulsionar diversos setores da economia cabo-verdiana.


O estímulo à produção local constitui um dos pilares desta estratégia. É fundamental criar condições favoráveis para que agricultores, pescadores, artesãos e outros produtores possam oferecer bens e serviços de elevada qualidade ao setor turístico. Investir na modernização das técnicas de produção, no apoio à comercialização e na garantia de elevados padrões de qualidade e segurança alimentar pode impulsionar uma agricultura sustentável, uma pesca artesanal responsável e o renascimento do artesanato tradicional, contribuindo para o fortalecimento da identidade cultural do país.

 

A criação e o reforço de cadeias de valor locais dependem, também, do estabelecimento de parcerias estratégicas entre operadores turísticos e pequenos empresários. A cooperação entre hotéis, agências de viagens e produtores locais pode dar origem a plataformas de comercialização que facilitem o acesso dos produtos cabo‐verdianos ao mercado turístico, promovendo o comércio justo e assegurando benefícios mútuos. Esta colaboração entre o setor público e o privado é determinante para transformar o turismo num verdadeiro motor de desenvolvimento inclusivo e sustentável, onde os ganhos económicos se revertem em melhorias concretas na qualidade de vida das populações locais.

 

A valorização do património cultural e natural é igualmente crucial para reforçar a interação entre o turismo e a economia local. O desenvolvimento de um turismo cultural e de natureza, que envolva as comunidades na gestão e fruição dos recursos, pode gerar rendimentos diretos e incentivar a preservação do legado histórico e ambiental do país. A criação de rotas turísticas que destaquem a história, as tradições, a biodiversidade e as paisagens naturais de Cabo Verde permite aos visitantes uma imersão autêntica na cultura local, contribuindo para uma experiência enriquecedora e diversificada que beneficia, simultaneamente, o turista e a comunidade.

 

A capacitação e formação dos recursos humanos locais revelam-se como elementos-chave para o sucesso de uma interação eficaz entre o turismo e a economia. Investir na formação profissional em áreas diretamente relacionadas com o turismo, bem como em competências transversais – como o empreendedorismo, a gestão de pequenos negócios, o marketing e a comunicação – é essencial para dotar os cabo‐verdianos das ferramentas necessárias para aproveitar as oportunidades geradas pelo crescimento do setor. Este investimento em capital humano contribui para a criação de novos negócios e para a elevação da qualidade dos serviços prestados, potenciando um desenvolvimento económico sustentável e inclusivo.

 

A promoção do consumo de produtos e serviços locais pelos turistas deve ser incentivada através de campanhas de sensibilização, da disponibilização de informação nos pontos de interesse e da organização de eventos culturais e gastronómicos que evidenciem a origem e a qualidade dos produtos cabo‐verdianos. Estimular a frequência de restaurantes que ofereçam culinária local, a compra directa de artesanato e a participação em festivais e feiras regionais pode ter um impacto económico significativo, promovendo uma redistribuição mais equitativa dos rendimentos gerados pelo turismo.

 

A participação ativa das comunidades no planeamento e gestão do desenvolvimento turístico é imprescindível para garantir que os benefícios deste crescimento se distribuam de forma justa. Mecanismos de consulta e de participação, o apoio à criação de associações e cooperativas e a implementação de políticas que assegurem que as populações locais se beneficiem diretamente dos rendimentos turísticos são medidas fundamentais para um desenvolvimento equilibrado e sustentável.

 

Em síntese, a necessidade de reforçar a interação entre o turismo e a economia local em Cabo Verde revela-se num imperativo que abrange dimensões económicas, sociais, culturais e ambientais. Ao diversificar as fontes de rendimento, reduzir a dependência das importações e valorizar o património nacional, é possível criar oportunidades de emprego, dinamizar a produção e fortalecer a identidade cultural, promovendo assim um desenvolvimento sustentável e resiliente. A implementação de estratégias integradas, que envolvam o setor público, o privado e as comunidades locais, permitirá transformar o turismo num motor de progresso e inovação, capaz de garantir a prosperidade e a estabilidade do arquipélago para as futuras gerações.

 

Todavia, a concretização de um modelo turístico que interaja plenamente com a economia local passa, em primeiro lugar, pela superação dos desafios associados à mobilidade de passageiros e cargas interilhas e intrailhas. A modernização das infraestruturas, nomeadamente a melhoria significativa das ligações aéreas e marítimas, a requalificação das redes rodoviárias e o desenvolvimento de transportes locais eficientes constituem um fator determinante para potenciar a mobilidade de turistas e de produtos, facilitando o acesso aos diversos pontos de interesse do arquipélago e aos produtos nacionais.

 

Praia, 28 de março de 2025

 



[1] Dados oficiais publicados pelo Instituto Nacional de Estatística.

[2] Banco Mundial. “Desenvolvimento do Turismo em Cabo Verde: Terá chegado o momento de abandonar o modelo all-inclusive? (2018).

 

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