Liderança Política em Cabo Verde no “Zeitgeist” de Peter Drucker (I)
Vivemos numa era marcada por uma crise
de confiança generalizada, pela volatilidade geopolítica, polarização
exacerbada e desafios globais complexos. Peter Drucker, o visionário da gestão,
deixou-nos em 2005, mas o seu pensamento permanece de uma atualidade
desconcertante. Se pudesse observar o panorama atual da liderança política, o
que diria ele? Porventura, Drucker sublinharia a urgência de revisitar os
fundamentos da “liderança eficaz”, desenvolvidos no seu livro “The Effective
Executive” (O Executivo Eficaz), publicado em 1967, adaptando-os com
pragmatismo ao contexto atual.
Drucker, um observador arguto das organizações e da eficácia da liderança, certamente analisaria o atual panorama político com a sua habitual clareza e pragmatismo. A sua obra seminal enfatiza consistentemente que a liderança não se confunde com carisma ou popularidade, mas sim com resultados. “Liderança é fazer as coisas certas”, afirmava ele. Aplicado ao contexto político contemporâneo, isto implicaria uma avaliação severa da capacidade dos líderes de enfrentar os problemas reais que afetam as suas populações: a desigualdade económica, a instabilidade geopolítica, a disrupção tecnológica, as crises de saúde pública e as alterações climáticas.
Um dos pilares do pensamento de Drucker é a importância de definir uma missão clara e de alinhar todos os esforços organizacionais em torno dessa missão. No domínio político, isto traduz-se na necessidade de os líderes articularem uma visão coerente para o futuro do seu país ou região, comunicando-a de forma eficaz e inspirando confiança e adesão. Drucker seria, sem dúvida, crítico de líderes que se perdem em retórica vazia, populismo simplista ou na mera gestão do presente sem uma estratégia de longo prazo bem definida. Ele questionaria se as políticas implementadas estão verdadeiramente a conduzir ao bem-estar e ao progresso da sociedade.
Na ótica de Drucker, uma liderança verdadeiramente eficaz não se define apenas pelos resultados imediatos, mas, sobretudo, pela sua visão para o futuro. A capacidade de antever os desafios e de delinear estratégias de longo prazo era um traço distintivo dos grandes líderes que ele estudava. Na política contemporânea, esta visão de futuro é por vezes obscurecida pelos interesses imediatistas que dominam o discurso eleitoral e pelas pressões dos ciclos curtos de mandato. Drucker advertiria que a ausência de uma perspetiva orientada para o longo prazo compromete a sustentação dos investimentos públicos em áreas essenciais, como a educação, a saúde e a infraestrutura.
Outro aspeto crucial da filosofia de Drucker é o foco no conhecimento e na informação. Ele antecipou a ascensão da “sociedade do conhecimento” e a importância de tomar decisões informadas, baseadas em dados e análises rigorosas. No contexto político atual, marcado pela proliferação de “fake news” e pela manipulação da informação, Drucker certamente alertaria para os perigos de líderes que ignoram a ciência, desvalorizam a expertise e se baseiam em narrativas ideológicas em detrimento da realidade factual. Ele defenderia uma liderança que valoriza o pensamento crítico, o debate informado e a transparência na informação.
Drucker também sublinharia a responsabilidade intrínseca da liderança. “Liderança implica responsabilidade”, dizia ele. Os líderes políticos, portanto, devem ser responsabilizados pelas suas decisões e pelas suas consequências. Drucker seria provavelmente crítico da cultura de impunidade e da falta de “accountability”, onde os erros são raramente admitidos e as promessas raramente cumpridas. Ele defenderia uma liderança ética, que coloca o interesse público acima dos interesses pessoais ou partidários, e que assume as consequências dos seus atos.
Para Drucker, a ética deve ocupar uma posição central na liderança política. Num cenário em que a corrupção e a desonestidade parecem ser moeda corrente, Drucker defenderia que a ética não é um mero acessório, mas a própria essência da confiança necessária para o bom funcionamento da democracia. Assim, reestabelecer o pacto de confiança entre líderes e cidadãos passaria, inevitavelmente, pela incorporação de valores éticos e pela transparência total nas ações governamentais.
A gestão de pessoas era outro tema central para Drucker. Ele acreditava que líderes eficazes são aqueles que sabem identificar e desenvolver os talentos das suas equipas, delegando responsabilidades e fomentando um ambiente de colaboração e respeito. Na política, isto implica a capacidade de formar governos e equipas de trabalho competentes e diversificadas, que representem a pluralidade da sociedade e que sejam capazes de trabalhar em conjunto para o bem-comum. Drucker seria provavelmente crítico de líderes que se rodeiam apenas de pessoas que lhes são subservientes ou que promovem a divisão e o conflito dentro das suas próprias fileiras.
Ademais, Drucker reconhecia a importância da inovação e da adaptação face à mudança. Ele encorajava as organizações a serem proativas na identificação de novas oportunidades e na superação de desafios emergentes. No cenário político contemporâneo, caraterizado por rápidas transformações sociais, económicas e tecnológicas, esta capacidade de adaptação e inovação é fundamental. Drucker questionaria se os líderes políticos estão a antecipar as tendências futuras, a investir em novas soluções e a preparar as suas sociedades para os desafios que se avizinham, ou se estão simplesmente a reagir a crises à medida que elas surgem.
Por fim, Drucker, apesar do seu foco na eficácia e nos resultados, não negligenciava a dimensão humana da liderança. Ele reconhecia a importância da comunicação, da empatia e da capacidade de inspirar e motivar as pessoas. No contexto político, isto significa que os líderes devem ser capazes de se conectar com os cidadãos, de compreender as suas preocupações e aspirações, e de comunicar uma visão de futuro que lhes dê esperança e um sentido de propósito comum. Drucker seria provavelmente crítico de líderes que se isolam em gabinetes, que recorrem a uma linguagem hermética ou que fomentam o medo e a divisão em vez da união e da colaboração.
Em suma, se Peter Drucker observasse a liderança política nos tempos que correm, é provável que ele a avaliasse com base nos seus princípios fundamentais: foco nos resultados, definição de uma missão clara, visão de longo prazo, recurso à informação e ao conhecimento, responsabilidade ética, gestão eficaz de pessoas, capacidade de inovação e adaptação, e uma genuína conexão humana. E a sua mensagem seria clara: a liderança política genuína não se mede pelo poder ou pela popularidade momentânea, mas sim pela capacidade de fazer as coisas certas e de gerar um impacto positivo e duradouro na vida das pessoas.
Para o caso particular de Cabo Verde, a liderança eficaz, nesse contexto, significa antecipar e responder aos desafios do “zeitgeist” (espírito do tempo, em português), nos termos sugeridos por Peter Drucker, nomeadamente no que diz respeito aos aspetos que se seguem. (Isso fica para a segunda parte do artigo).
Praia, 11 de junho de 2025
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