Liderança Política em Cabo Verde no “Zeitgeist” de Peter Drucker (II)
Peter Drucker, o lendário guru da
gestão, enfatizaria que um líder político eficaz em Cabo Verde não é quem seduz
pelo carisma, mas quem produz resultados concretos que melhorem a vida dos
cabo-verdianos. Neste sentido, Drucker lembraria aos dirigentes políticos
cabo-verdianos que as suas principais tarefas consistem em perceber o que
realmente querem e necessitam os cidadãos, transformar essas necessidades em
objetivos claros e medir a eficácia das políticas através de indicadores
concretos. O político eficaz, segundo a perspetiva druckeriana, deve estruturar
processos que garantam feedback real da sociedade e que mantenham a programação
das suas iniciativas alinhada com o bem-estar coletivo.
Esse enfoque remete para a definição de missão e propósito estratégicos, bem como para a “gestão por objetivos”. Transposto para a liderança política, este princípio sugeriria que cada governo ou executivo local em Cabo Verde deveria definir, logo no início do mandato, metas concretas – não meramente vagos “slogans” de campanha – e elaborar sistemas de acompanhamento e avaliação rigorosos. Para Drucker, a eficácia não se mede por intenções, mas por resultados tangíveis. Assim, ao invés de se centraram na emoção do discurso ou na impressão momentânea que causam, os líderes políticos deveriam colocar em prática o ciclo druckeriano: definir objetivos, desenhar planos de ação, monitorizar intervenções e ajustar rotas sempre que os indicadores apontem para desvios não desejados. Essa visão de gestão responsável poderia contribuir para restaurar alguma confiança nas instituições, pois demonstraria que há um método e um rigor na forma como o poder é exercido.
Outro princípio é a valorização dos “trabalhadores do conhecimento” (“knowledge workers”, no original em inglês). No plano público, isso evidencia a importância de atrair e reter talento qualificado para a administração, assegurando que as decisões políticas se apoiem em investigação, dados fiáveis e perspetivas plurais. Drucker alertaria para o perigo de os políticos cabo-verdianos se rodearem apenas de assessores e conselheiros com pensamento unidimensional ou de grupos de pressão que reforcem preconceitos. A perspetiva druckeriana propõe que a administração pública – assim como as entidades subjacentes, nomeadamente agências reguladoras ou institutos de investigação estatal – integrem equipas multidisciplinares (economistas, sociólogos, epidemiologistas, engenheiros, entre outros), cujo contributo seja efetivamente considerado nas decisões. Esta aproximação permitiria antecipar riscos, potenciar sinergias entre setores e evitar a adoção de medidas precipitadas, baseadas em retórica ou em pressões de curto prazo.
A gestão de pessoas também é fundamental. Drucker afirmava que o líder identifica talentos, delega autoridade, estimula o desenvolvimento profissional e promove cooperação e inovação. Na política cabo-verdiana, é necessário formar equipas executivas cujos membros contribuam com ideias, desafiem pressupostos e inovem. Contudo, em Cabo Verde, a título de exemplo, o Governo nomeia quase todos os cargos por afinidades político-partidárias, familiares ou pessoais, desconsiderando a competência e o mérito, gerando conflitos e comprometendo decisões. Drucker criticaria duramente o nepotismo, a falta de diversidade de perspetivas – género, proveniência regional, formação acadêmica ou experiência setorial – que impede criatividade. Um sistema de avaliação contínua com metas claras, recompensas e penalizações asseguraria responsabilidade e meritocracia na Administração do Estado.
A responsabilidade social e a ética são
centrais para Drucker. Ele corroboraria a necessidade de que os líderes
políticos incorporem padrões éticos elevados, promovendo códigos de conduta,
reforçando mecanismos de controlo interno e criando organismos independentes de
auditoria e supervisão. Além disso, advogaria pelos “checks and balances” não
como meros formalismos, mas como ferramentas vitais para evitar o abuso de
poder: transparência orçamental, acesso público a dados sobre contratos,
remunerações e subsídios, etc. Em última análise, Drucker enfatizaria que o sistema
político cabo-verdiano só se sustenta se a confiança pública for recuperada e
mantida através de atitudes coerentes, que demonstrem que o interesse geral
prevalece sobre ambições pessoais ou logros partidários.
Vale, ainda, mencionar que Drucker afirmava que “a cultura come a estratégia ao pequeno-almoço” (“culture eats strategy for breakfast”, no original em inglês).” Na política, isto significa que, sem uma cultura democrática sólida – respeito pelos direitos humanos, tolerância, liberdade de imprensa, independência do poder judicial e participação cidadã ativa –, nenhuma estratégia perdura. Em Cabo Verde, onde a liberdade de expressão e a estabilidade política têm sido elogiadas, mas onde há sinais de erosão da confiança em praticamente todas as instituições republicanas, os líderes devem comprometer-se não apenas com políticas, mas também com a formação e manutenção de uma cidadania crítica, empenhada e vigilante, capaz de distinguir factos de boatos e disposta a exigir prestações de contas. Só assim se poderá evitar a corrosão dos alicerces democráticos e garantir que a liderança política não derive para formas autoritárias ou demagógicas.
Finalmente, e talvez como síntese de todos estes pontos, Drucker enfatizaria que a essência da liderança é, fundamentalmente, servir. Esta noção de “servant leadership” (liderança servidora) remete para o facto de que o líder político deve colocar o bem-comum acima de interesses pessoais ou de facões partidárias. Num tempo de polarização extrema e de lógicas de “nós contra eles”, Drucker aconselharia os dirigentes cabo-verdianos a assumir o compromisso de unir interesses diversos em torno de objetivos superiores, definindo claramente o propósito da sua governação e comunicando honestamente as limitações e as dificuldades. A transparência, a humildade e a vontade de ser responsabilizado por cada ato seriam, aos olhos de Drucker, indissociáveis da noção de servir.
Em suma, se Peter Drucker observasse a liderança política cabo-verdiana nos nossos dias, faria um diagnóstico severo, mas também ofereceria uma agenda de mudança centrada na eficácia real, na responsabilidade social, na valorização do conhecimento e numa cultura organizacional que privilegia o serviço ao cidadão. Criticaria, sem dúvida, as promessas vazias, a falta de metas mensuráveis, a insuficiente transparência e a tendência para políticas de curto prazo. Por isso, mais do que simples conselhos, Drucker deixaria um convite aos líderes políticos cabo-verdianos: que se tornem verdadeiros “gestores do bem-comum”, pautados pela reflexão estratégica, pela ética inabalável e pela paixão pelo serviço público. Se o aceitarem, estarão a honrar o legado de um dos pensadores mais influentes na história da gestão e a dotar a sociedade cabo-verdiana do século XXI de liderança capaz de fazer face aos desafios complexos que nos aguardam.
Praia, 11 de junho de 2025
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